sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

17. Marina Mourão



“São João do Porto”
Técnica Mista
95x75 cm

Comecemos pelo fim, que não é um modo muito ortodoxo de começar, mas às vezes dá jeito.
Mantinha eu há uns anos com a Dra. Marina uma relação amigável e calorosa, mas que pouco saía do âmbito de curtas conversas sobre viagens, e arte, e vida em geral, (conversas sempre necessariamente limitadas, dada a postura, bem pouco propícia a diálogo, que nas minhas visitas ao seu consultório eu tinha de adoptar), quando há uns dias um telefonema seu me põe ao corrente da sua intenção de fazer em breve uma exposição de pintura, e me pede para lhe escrever o texto de apresentação.
Assim, de chofre, sem me dar razões. E eu, de chofre, aceitei, sem pedir razões, porque já sabia que a Dra. Marina, para além do que era, também era artista, e porque a um artista não se pedem razões, ou se aceitam os desafios, ou se rejeitam.
E porque aceitei, pedi licença e comecei, pé ante pé, a entrar no seu mundo de artista plástica.
E tendo o fim sido exposto, agora sim, comecemos pelo princípio, isto é, pela infância e adolescência da artista, porque aí se irão encontrar todos os segredos e todas as motivações.
Marina Mourão, nasceu na cidade de Águas Formosas, Brasil, em 1964, no seio de uma família numerosa de doze irmãos. Sua mãe, senhora de uma enorme capacidade criativa, modista de alta-costura, bordadeira e pintora, alimentou o “caldo” cultural onde Marina foi “beber” toda a sua formação estética: na loja de sua mãe, cedo começou a contactar com tecidos, com bordados, com lantejoulas, com rendas, com todos os materiais belos e nobres que sua mãe utilizava para criar fantasias de Carnaval, fatos de noite, vestidos de noiva. E apaixonou-se para sempre por esse mundo de beleza e fantasia. Cedo, ainda na escola básica, Marina demonstrou as suas tendências artísticas fazendo escultura, pintura decorativa, cartazes para a escola. Um pouco mais tarde começou uma colaboração estreita com a mãe, fazendo decoração de montras e desenhando os modelos exclusivos da loja familiar, que a mãe executava.
Fez um curso de artes decorativas, estratificando desse modo todas as tendências estéticas herdadas da mãe e por ela fomentadas, mas acabou por ir para a Universidade em Belo Horizonte fazer o curso de Dentista por influência paterna ( “Arte não é uma profissão segura”, temia ele). Algum tempo mais tarde, quando uma das irmãs conseguiu, por artes e manhas, convencer o pai a autorizá-la a cursar Belas Artes, Marina “fez” o curso com a irmã, pedindo-lhe em casa que lhe ensinasse e transmitisse tudo o que ia aprendendo na faculdade.
Mas com o “bichinho” da arte nas entranhas, até com a sua formação académica Marina soube ser criativa, ligando o curso técnico às suas tendências artísticas: para ela as técnicas das próteses ainda é como fazer escultura (“É um mundo de fazer beleza”, diz Marina, e nós concordamos, estando aí a provar a asserção todos os belos sorrisos que saem do seu consultório), e o que aprendeu nas aulas de anatomia serve-lhe hoje para representar, nas suas pinturas, o corpo humano em toda a sua perfeição física. 
Hoje, a viver em Portugal com a família que aqui formou, Marina é uma artista plástica multifacetada. Há uns dias, a Dra. Marina teve a gentileza de me abrir as portas de sua casa, da casa de Marina-artista, e com esse gesto abriu-me a sua alma. Está lá tudo: nos móveis restaurados/alterados, nas ânforas pintadas de dourado, nos espelhos barrocos, nas esculturas representando a figura humana, nas roupas vermelhas (sempre o vermelho) bordadas de lantejoulas a vestir manequins “retro”; nas belíssimas nuvens de tule junto de todas as janelas, nas cores mais doces do arco-íris, e a que a artista chama cortinas, nos anjos que nos espreitam, irónicos mas vigilantes, das portas de um armário. Tudo saído das suas mãos. Intimidade desnudada da sua casa, que é reflexo da sua interioridade: ali se respira o sortilégio das memórias do seu mundo infantil, uma espécie de reminiscência sagrada da infância, que ela encena com inteligência e liberdade. Face lúdica do seu trabalho artístico, que revela a menina que habita a mulher.
E por fim, ou no fim, a tudo sintetizar, a sua pintura. Marina aprimorou-se com mestres portugueses, fez cursos sobre pintura Barroca e pintura Medieval e ao longo dos anos veio fazendo experiências com materiais dentários que adaptou aos seus trabalhos plásticos.
Desenvolve uma pintura figurativa contemporânea, (além das mulheres, os cavalos e a Tauromaquia são temas preferidos nas suas obras), utiliza várias técnicas e vários materiais. Parece-nos claro que a artista quer, nas suas pinturas, fazer uma síntese de tudo em que tocou ao longo da sua vida criativa: as colagens, as sobreposições, os dourados, as pedrarias, os tecidos nobres, as cores vibrantes. Há uma necessidade evidente de se apropriar de todos os materiais e de todas as técnicas aprendidas na sua infância, e aglutiná-las, apreendê-las, aprisioná-las nas suas pinturas, num processo criativo original, para que as memórias não se dissolvam. “O que eu gosto é de bordar”, confessou, e esta frase sua é um manifesto estético e simultaneamente a chave para a compreensão dos seus trabalhos plásticos.
Por tudo isto, tanto a sua cenografia privada como a sua pintura – teatralidade ou representação das memórias – nos convocam para um mundo de alegria e extroversão, de originalidade mas também de continuidade, simultaneamente de tradição e inovação.
Neste nosso tempo de globalizada “cinzentez” e alguma tristeza, conseguimos
encontrar na pintura de Marina Mourão, inteiros, o sonho e a espontaneidade, o mundo da infância e da ingenuidade, o olhar essencial em suma. 
Isto, se quisermos olhar e ver.
(Maria José Dias Rodrigues)


Marina Mourão começou mostrar seus trabalhos a partir de 2008 e nunca mais parou....
Suas pinturas já percorreram os Estados Unidos da América, Brasil, Portugal, França, Inglaterra, Espanha, Itália e Suécia. Representada em coleções Nacionais e Internacionais.

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